terça-feira, 31 de agosto de 2010

Os profetas do Velho Testamento e a luta contra a pobreza

Os profetas do Velho Testamento e a luta contra a pobreza
BERNARDO KLIKSBERG

Na última década, governos na América Latina começaram a reconhecer e encorajar o papel complementar que as organizações da sociedade civil podem desempenhar no desenvolvimento nacional.
Enquanto as organizações não-governamentais que trabalham no campo da saúde, educação, microempresa e meio ambiente há muito vêm sendo aplaudidas por complementar os serviços públicos tradicionais, as organizações religiosas estão agora sendo reconhecidas por suas contribuições nessas áreas.
Os grupos religiosos estão ativos em quase todos os municípios, cidades e vilarejos da região. Além de proporcionar um sentido de identidade e comunidade, as organizações religiosas desempenham serviços sociais essenciais, que vão desde escolas e hospitais ligados às igrejas a orfanatos, clínicas rurais, sopas dos pobres nas cidades e todo tipo de assistência de emergência. Em muitos lugares extremamente pobres, os grupos religiosos são a única fonte de serviços dessa natureza.
O Presidente do BID Enrique V. Iglesias freqüentemente se refere a essa dimensão da sociedade civil e tem encorajado encontros inovadores com representantes de grupos religiosos. O mais recente deles ocorreu em dezembro, quando 70 líderes de comunidades judaicas de 12 países latino-americanos reuniram-se na sede do BID com representantes das principais instituições financeiras multilaterais e representantes de Israel e das organizações judaicas nos Estados Unidos. Nessa inusitada reunião de dois dias, organizada com a ajuda do Congresso Judaico Latino-Americano e co-patrocinada pelo Banco Mundial, a OEA e a American University, os especialistas do BID apresentaram uma análise dos principais desafios socioeconômicos, inclusive pobreza, desigualdade, desemprego, desnutrição, taxas de evasão escolar e repetência, problemas que afetam as famílias e criminalidade, entre outras questões. Discutiram também as lições que o Banco aprendeu com sua experiência de empréstimos ao setor social.
Os líderes judeus, por sua vez, descreveram uma rica tradição de engajamento social com raízes na fé hebraica. Essa tradição inclui a advertência profética de que "não deverá haver pobres entre vós" e que todos pratiquem Tzadaka. Segundo Maimonides, rabino espanhol e filósofo do século 12, Tzadaka significa mais do que meramente ajudar os outros mas implica esforço em restaurar a justiça social que foi violada pela pobreza. Os ensinamentos judaicos também indicam que mitzvoth, ou "atos dignos", são um dos pilares que sustentam o mundo e que todos têm o dever de trabalhar pela justiça humana.
"Como judeus, não podemos deixar de nos engajar nos problemas sociais", disse aos participantes o rabino Israel Singer, secretário geral do Congresso Judaico Mundial. "Não apenas por motivos éticos, mas porque somos um dos povos mais oprimidos da história. Por essa razão, somos especialmente sensíveis à aflição dos oprimidos e sabemos que a pobreza é uma das formas centrais de opressão."
Outros palestrantes descreveram a experiência de programas sociais dirigidos por organizações judaicas na região. Muitas dessas iniciativas se concentram nas dificuldades dos "novos pobres": famílias que vivem nas cidades e cuja qualidade de vida deteriorou-se súbita e rapidamente devido a crises econômicas. Os palestrantes descreveram programas inovadores, tais como um centro de reciclagem profissional para recém-desempregados dirigido pela Associação Mútua Israelita-Argentina em Buenos Aires, um grupo voluntário de profissionais liberais em São Paulo, a Corporação de Desenvolvimento Social no Chile, um centro de saúde na Venezuela e empreendimentos semelhantes a cargo de grupos judeus no Uruguai e no México.
"Em toda a minha vida, a sua comunidade e o Estado de Israel me impressionaram com sua capacidade de mobilizar milhares de voluntários de todas as idades e gerações para as causas sociais", disse Iglesias aos participantes do seminário. Incentivou-os a unir forças com o BID e desenvolver projetos conjuntos utilizando a experiência do Banco e o know-how local específico das organizações judaicas.

O autor, organizador do seminário, é coordenador do Instituto Interamericano para o Desenvolvimento Social.

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